2.ª Parte: A Caminho do Centenário
5 min read
Por Mário Proença
* Artigo publicado originalmente no jornal “O Olhanense” de 1 de fevereiro de 2024
AS ORIGENS (II)
Com a chegada ao Algarve daquele que se tornaria no mais popular desporto praticado no nosso planeta, através da Escola de Marinheiros do Sul, instada na Corveta Duque de Palmela, surta na ria de Faro, cujo primeiro desafio foi ensaiado na Largo de S. Francisco e mais tarde pelos alunos do Liceu Nacional de Faro, que tendo adquirido uma bola própria jogavam indiferentemente com os pés e as mãos, por desconhecimento das regras. Foi o professor e secretário do referido Liceu, pintor Carlos Augusto Lyster Franco, quem, tendo-lhe chegado às mãos uma revista inglesa que continha as regras do futebol, ministrou os ensinamentos regulamentares aos estudantes.
Naturalmente que entre os estudantes do Liceu estariam alguns estudantes naturais de Olhão que chegadas as “férias grandes” teriam trazido para a então Vila de Olhão da Restauração o gérmen do novel desporto.
É por volta de 1908 que a «febre da bola», como diziam os nossos avós, chega verdadeiramente à Vila Cubista, pelo que os baldios existentes, Largo da Feira, da Cerca, do Serrinho, no Adro da Igreja e zona circundante, junto ao Caminho de Farro, se enchem de rapazes de calças arregaçadas, camisas desabotoadas, de fralda de fora, chutando a bola que umas vezes seria de trapos outras de borracha adquirida por quotização, dado o seu alto preço. Jogavam, provavelmente, com balizas marcadas no chão por duas pedras ou qualquer outro material que servisse para o efeito, por pura distracção e por mero passatempo. As ruas de terra batida, serviam às mil maravilhas para esse jogo que proliferara pela Vila e não dava sossego aos moradores. Estávamos em presença de um fenómeno invulgar que fascinava a juventude, apesar de, na época, as comunicações serem bastantes incipientes e por isso o que se passava na capital sobre o “jogo da bola” praticamente não chegar à província, mas o fascínio era tanto que, a juventude de todos os lugarejos, rejubilava com a prática da modalidade.
É neste contexto que o futebol se expande por todo o Concelho e muito especialmente pela Freguesia de Olhão, onde se concentra o maior número de jovens amantes da prática da nova modalidade e, por isso, não espantará que um conjunto de jovens se tenha interessado mais profundamente por esse jogo que tem como maior finalidade anichar a bola nas redes do adversário. Para percebermos o que se terá passado, recorremos à narrativa de um dos fundadores do Sporting Clube Olhanense, clube que haveria de ser o expoente máximo da futebol algarvio.
Armando José Amâncio, diz-nos no seu pequeno livro denominado “História do Sporting Clube Olhanense” que tendo deixado Lagos, terra de sua naturalidade, para se fixar em Olhão, para se empregar, já dispunha de alguns conhecimentos do Foot-Ball, uma vez que em 1808, dera alguns pontapés na bola no Lagos Foot-Ball Clube, clube precursor do Clube de Futebol Esperança de Lagos.
Tivera ainda conhecimento de que alguns rapazes radicados em Olhão, entre eles Joaquim Amâncio Salgueiro Júnior, seu irmão, Francisco Paula Brito, Domingos Alves, Miguel Ramos Alberto, João Sarah e Martins Correia, e outros que não tendo grupo formado, adquiriram uma bola de futebol e aos domingos iam para o Largo da Feira pontapeá-la, à laia de distracção ou passatempo. Como era muito novo e o desejo de fazer o “gosto ao pé” era enorme, mas não se atrevia ao seu contacto e ficava a vê-los de longe aos pontapés na bola. Porém, não era como simples espectador que conseguia matar o “vício” e, como ele o apertava, pensou com os seus botões que a melhor maneira de o satisfazer seria convidar rapazes da sua idade, com quem se dava mais de perto, a organizar um grupo de futebol e, se bem o pensou melhor o fez. Foi com alguma dificuldade que o grupo foi criado. A falta de rapazes da sua idade, seria a principal dificuldade, mas como o que era preciso era começar, decidiram entre os enfileirados adquirir uma bola, esperançados de que com ela à vista outros iriam aderir e como o ligar mais apropriado era o Largo da Feira, iniciaram os primeiros treinos, que se limitavam apenas a passes da bola uns para os outros, paragens da mesma, driblings. Resumindo: A aprendizagem ia prosseguindo todas as tardes e foi com grande satisfação que os moços começaram a aderir, pelo que passados alguns dias o grupo estava completo.
Começou então o Largo da Feira a ser frequentado por rapazes de diversas camadas sociais que mostravam o desejo de dar pontapés na bola, mas como não tinham lugar no grupo, uns ficavam atrás das balizas, que eram assinaladas com pedras ou qualquer peça de vestuário dos próprios jogadores, para quando a bola fosse chutada e ultrapassasse o limite do campo a fossem buscar, serviço que faziam de bom grado pois sempre tinham ocasião de dar algum pontapé no esférico. Outros ficavam mais ou menos a meio-campo, para fazer exactamente o mesmo, quando a bola era para lá atirada pelos guarda-redes ou por qualquer outro jogador. Quando havia rapazes, mais velhos que chegavam para formar um grupo, faziam então um desafio treino. Com estes desafios alcançavam dois resultados: o primeiro servir de treino e o segundo fazerem-se possíveis jogadores dos quais, em termos futuros, poderiam vir a ser uteis, para além de se desenvolver a modalidade desportiva que em Olhão dava os primeiros passos.
Tinha o Largo da Feira o grande defeito de, por ocasião das marés grandes, ser inundado pela água do mar o que impossibilitava a realização treinos e criava um justificado aborrecimento, pois só algumas semanas depois o campo voltava à normalidade.
Deste grande inconveniente, resultava a desistência de alguns componentes do grupo, os menos viciados, pois quanto mais tempo isso levava a ficar o terreno em condições, maior era a dificuldade de reorganizar o grupo.
Em 1912, Armando José Amâncio, mete de novo mãos à obra e já com outros elementos, reorganiza o team recomeçando os treinos, desta vez com maior entusiasmo, pois aqueles sucediam-se com regularidade mais acentuada, prevendo-se mesmo a hipótese da realização de encontros com o Sporting Clube Farense e com a Associação Académica de Faro, não só por ficarem mais próximos, como também a deslocação ficar mais económica, uma vez que a mesma era de conta dos elementos do grupo. Naturalmente, que face à evolução que vinham tomando, nasce a necessidade de se organizarem de forma a criar uma certa personalidade. Estava prestes a nascer o Sporting Clube Olhanense.
(continua)
3.ª PARTE: AS ORIGENS (III)